Inventário

Onde estão teus sorrisos,
Onde está tua voz?
Onde estão teus versos,
Tuas frases em latim?

Pousa em mim os olhos
Usa teus óculos mais adequados.
Coloca-me do avesso,
Abra minhas feridas.

Se encontra aqui tudo
Que deixaste revirado
As chagas abertas,
A alma nudez precipitada.

Faças pelo menos recolher
Os restos que se esfarelam.
Leva seu qualquer sentido-verso-senso.
Eles ocupam lugar que deve ser alienado.

Una

Meus versos tristes- acredita-me.
Minhas palavras doces ou dilacerantes – creia-me.
Não é outra senão eu
Não há outra senão eu.

Minhas dúvidas eternas – responda-me.
Minhas buscas de almas – atende-me.
Não é outra senão eu
Não há outra senão eu.

Quem sorri idiota para o cristal líquido – veja-me.
Quem tem reticências para o medo – enxerga-me.
Não é outra
Não há outra...

Feito de cadência e velocidade das partículas é o caminho.
Parece que uma película fina nos separa
Mas desvio o olhar e vejo montanhas.
O céu tem fim num verde, preto ou vermelho limite.
... Quisera eu fosse num líquido.

Mas acredita-me, responda-me, veja-me
Não é outra
Não há outra.

Pois à soma de tudo sou eu,
Nem a velocidade do elétron é maior
Que a unidade de tudo que me sai e lhe chega.

De tudo sou a única fonte.



Cabeça oca!

Cabecinha oca, põe peneiras!

De sua incompetência
é que o coração vai à falência!
De seu alheamento
é que o parasita no coração se instala!

De vez em quando o aperta até doer
Outras vezes, o faz bater descompassado
Às vezes sufoca pela garganta

Deixa as pernas bambas
As mãos suam
Ou se congelam
Perdem ritmo e o equilíbrio

Não vê estas letras trêmulas?

A visão ofusca, a ilusão toma espaço

E, gradativamente, há de ocupar todo o oco.

Equilíbrio

A sinceridade apressa os passos
primeiro para si,
depois, de si.

O amor encanta
à distância para si
de perto, de si.

Palavras ditas e não ditas
trazem e levam passos.

O mistério traz,
o descortinamento leva.

Cada gesto delicado
atrai ontem
repele amanhã.


Façamos o avesso:

Sem sinceridade, amor, palavras, mistérios, luzes, gestos delicados.
E voltemos ao equilíbrio humano.

Sejamos miscelânea insossa.
Ela aproxima os passos para si.