Criação

Traduzir-se em signos
Em língua pensamento - vil
Em língua falada – torpe
Em língua vocábulo – como?

Signos significados símbolos
Intérpretes
Dicionário dissonante
Discrepante

Bailam palavras e sons
Máscaras ocultas incultas
Peixes voadores em saltos
Caíram no barco – diálogo.

Chuvas torrenciais
Granizo esparso – parcos
Distribuição aleatória

- Em areias de cães selvagens
Pássaros livres são os mais bem quistos.
E melenas valem uma batalha.

Palavras, palavras
Vil, torpe, como?
Bailam, bailam, bailam...

Gravimetria?
Ausência de balança
- Língua essa traga!

Palavras, palavras
Signo símbolo som
Surdo mudo cego
E a língua pode ser qualquer.


Fonte Inesgotável!

Quanto mais se me pede
Muito mais me dou
Pois a fonte não seca
Não é a fonte do que se dá
É a fonte do dar-se.

Dou-me ao despedaçado passado
Ao obscuro futuro
Ao acaso desacreditado
Ao infrutífero florir
- Dessa flor não se terá fruto
- Dessa batalha não existirá vencedor

Nem eu que me dou – sem fonte
Do que, inesgotavelmente, dou
Nem do ovário floral infértil
Nem o soldado a lutar contra
O vento que traz dentro de si.


Revoada

Tudo salpica, pipoca,
Delírios vários,
Colméia em ataque,
Zumbidos...

Silêncio – com fumaça
se acalmam as abelhas...

Revoada de inverno
Coreografia instintiva
Profusão medonha!

Laço, alçapão:
Algumas se agarram.

Hierarquia, metodologia,
Intuição, telepatia.

Organiza-se
Sistematiza-se
A sintaxe e a morfologia.

Por partes


Aquelas mulheres se escreviam
Por retalhos.
Que é isso – apropriar-se
De pedaços de outras vidas
Para compor a própria?

As partes se costuravam
E as vidas também.
O suor umedecia a parte
Já umedecida pela lágrima
De outra.

Se iam à mesma linha
Ora se cruzavam
Oras se arrematavam
Pois partes mal alinhavadas
Tinham também.

Da tesoura
Que servia a dois cortes
Ao tecido sem avesso
Por vezes duas
Tinham o mesmo nó.

Da estampa inglesa
À torre francesa
Uma noite, uma mão
Pares de olhos e ouvidos
Antes que o sol nascesse.

No âmago encontra
Abrigo certo
Entre todos os retalhos
Há o de flores que
Fazem a torre
Mais iluminada.

As linhas mal alinhavam
Os nós não se apertam
A luz está lá, no alto, nas flores
De partes de outras
Se monta uma vida.

Encaixam-se por tema
Por cor, arremates,
Caseados
Em sentido horário ou anti
A base para dentro
De cada autora.

Sonho II

Acreditava-me besouro
Ser de dura carapaça e insistência
Sem sentir choques
Sem conseguir grandes vôos.

Hoje me sei borboleta
Leve, frágil,
De brilhos e algo bela,
Vida inquieta e efêmera.

Delicada me sabes
Frágil e ágil
Com cores
Pudores e ousadia
Mas não me vês possível:
Contas o numero de montes
e flores entre nós :
Achas intransponíveis.

Vês minha beleza fugaz
E a supões superior
Ao prazer de fato.
Ainda que, de fato,
só acredites no prazer.
Subestimas o alcance de meu vôo
Acreditando que vou ao longe, não em profundidade

Enquanto isso,
Sonho quebrar as redomas em que vivemos.

Foto: Bárbara Hasse

Sonho I


Agora me resta a dúvida:
Tudo se resume à bolha
de sabão que,
tocada, estoura?
Esse cristal que nos separa,
separa também realidades
e faz seres diferentes de nós
se encontrarem?

Esta espera e este desejo
terão sido em vão?
Serão eles menores,
quando extinguirmos a distância?

Vago etérea em sua mente.
Vagas pesado e concreto na minha.

Imaginas mil sonhos meus
exceto o único verdadeiro:
Aquele em que te encontras
de olhar dócil e toque sensível
Amparando-me as patas leves
deixando libertas minhas asas.

Silenciar

Todo silêncio é feito
Do dito
Do pretenso dizer
As palavras calam
Proferidas ou não
Concluem o diálogo
Amargam a garganta por não sair
Fervilham o cérebro com hipóteses
Molestam o coração por não ter respostas.


O silêncio é amarga e fervilhante moléstia.


Foto: Edson Fragoaz