Salvavidas

Para esta classe tenho
o correto envelope:
guardo
dobro
colo
Lanço à decomposição ou às chamas
A indignação
a decepção
a tristeza
não há chama que consuma
ou bactéria que degrade.
Assombram eternamente
veneno que se injeta nos olhos.
Eles se inundam
e não sabem nadar.
Cápsulas absorvem
a inundação,
a indignação
a decepção
e a tristeza.
Mas não fecham as portas dos sonhos
Nem as sentinelas de desconexos

fragmentos de pesadelos.


Sublima!

Falar-lhe não posso
Confessar-me não devo
Vê-lo enjaular-me-ia
Ouvi-lo embriagar-me-ia
Sublima, imagem, verso!

Sublima...
Coração com feridas!
Esta alma está farta
Do que falta.

Conjecturas, hipóteses, teorias
Tudo está nos fios,
nos arquivos, nas mentes
... E não fazem efeito
... E esquivam-se do sentido.

Um cigarro:
Desfaça-se na fumaça tudo,
Aspirando até o último pedaço de fumo!
Esgote-se tudo que não foi vivido
Esgote-se todo verso lido, escrito, pensado.

Uma dose
No amargo
No ardente
Sinta-se de uma só vez
Todo o sabor que devia ter.

... Sublima!


Mais um

Cativo de palavras
Entenderá meu silêncio
Amante da chama,
Do sangue e das trevas,
Acolherás minha luz límpida
De alvorecer em tons solares

Esperamos mais
Que a maturidade do vinho
Após o prato sofisticado
Como se afinidades
Fossem avalistas
Daquele cheque sem fundo

Todo o cenário
Trilha sonora
Incenso e mirra
Estavam guardados
E, na caixa, escrito:
“Achados e perdidos”

Perdidos no tempo
Pelo desmerecimento
Pela indiferença mútua
Pelo receio duplo

Achados na oportunidade
Pela semente plantada
Pelo espelhamento da alma
Pelo desejo recíproco.

Decadente

A lua cheia brilha, convida
Ignoro, desconvidada
- À festa só aos pares!
Às mil estrelas cadentes
Que só eu vi,
Deitada naquele pedestal
Com as garrafas se congelando,
Fiz mil pedidos...
Não me acreditaram
Nem os ébrios
Nem as estrelas.

"E eu saí, como quem tudo repele,
- Velho caixão a carregar destroços -
Levando apenas na tumbal carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos."
(Solitário – Augusto dos Anjos)



Sou, vejo

Quando vejo o espelho
Vejo se passar uma cena...
Paro.
Congelo a cena.

Há uma projeção de muitos espelhos
Há uma mistura de muitas culturas
Há a unificação de contradições
Em um único ser
Há o resumo de séculos de segundos
Num único instante em que me olho.


Vá num suspiro

Desejo que te vás rapidamente
Sem dores ou alarde
Num suspiro apenas
Como fez a Sinhá

Não te demorarás
- Tenho certeza de que vigias a porta
E estás, a todo momento,
Buscando que eu pisque
Ou pisquem
Os olhos despercebidamente
Para abandonar-me.

Acompanha-me a certeza
De que curto é nosso trajeto
Desde meu nascimento:
Sei que estás assim, mãos
Dadas por apenas dedos,
Fraco laço.

Mas adoraria que me deixasses
Em momento de maior lucidez
Que agora
Quando vejo e ainda desejo
Sua presença, insanamente.

Deixe-me sem arroubos,
Sem doenças crônicas,
Sem intervalo para sofrimento
Sem lamentações
Sem noites de vigília
- Somente vá, num suspiro.

Vida minha,
como se dá à vizinha
Bom dia
Boa noite
- Somente os cumprimentos...
Se vá sem alarde, cedo,
Sem doença, sem medo...
Somente um suspiro.

Voa, voa...

Os versos com parcimônia
Desfilam nas linhas
O garoto que nunca se foi
Faz mais uma travessura
Rouba-me a revoada
Em que andorinhas
Dançavam para viajar ao norte.

De longe, se ri
Desdenha e desconhece.

Fazer da ignorância
Essência de felicidade
É bem comum.
É ela sequaz da Loucura
E que frutos dá esta,
Senão a felicidade
Dos que assistem ao espetáculo,
Dos que ignoram?

Se todo desconhecido
É ciência
É medo
É Deus...
E traz felicidade...
Ando rota, quixotesca, atéia,
Troglodita, sã, sóbria...
... E nem tenho andorinhas
Para evadir-me.




Diário II

De caos e reminiscências
Fez-se o dia
De páginas escritas, relidas
Revividas, rotas, mofadas
Desgastadas, decoradas,
Se fez a semana
Meses

Acaso não descobriste ainda
Que há páginas por escrever?
Não tenhas obrigação enfadonha
Não dispenses atenção única...
Apenas vê, na brancura vazia,

O que chama a viver
O convite de novos ventos,
Não sou eu – és tu!
Essa brisa sem perfumes
Não sai de mim!
Respira, renasça e vê:
Um convite branco e vazio
Espera por ti!



Foto by Dionísio Dias

Diário

Hoje podei rosas
Reli manifestos, coletei gotas de carinho.

As rosas, algumas na roseira,
Outras no vaso – reviverão
Momentos de seu tempo-raiz
E poderão aos botões desabrochar
- Como no tempo-raiz.

Manifestos jamais serão serenos.
São gritos – hoje mudos,
Hoje desmedidamente insanos,
Por não se saber mais raiz.

Carinhos em chuvas, garoa,
São melhores!
Colho gotas, orvalhos...
Talvez acumule pequeno frasco
- Daqueles que se põe uma gota
Na taça dos delírios...

... Mas essas gotas irão
- E virão
Em palavras, imagens,
Objetos imantados à porta gélida
- E farão uma coleção de carinhos
Do mundo inteiro!

Terei versos no vaso,
No papel,
No frasco,
Na porta,
Nos olhos...
... Um dia nas mãos!









Carta de garrafa

Caro e legítimo poeta:
Longe da rotina tecnoburocrata,
Minha vida continua:
Espirais kardecistas.

Ávido e ácido crítico:
De minha colheita,
Já os frutos são diminutos,
Deformados, deturpados...
Entressafra poética.

Sincero e honesto amigo:
Eis que me valho de versos
Seus - em pensamento -
Para assegurar-me
Da inconstância,
Da insuficiência humana.

Desconhecidos olhos
Aos quais dirijo
Voláteis pensamentos:
A tela é fria,
O papel subserviente.
... Mas os humanos
Têm mais que termômetros e joelhos.

Foto by ArteZoe

Não é poesia!!

Queria escrever sobre
o amor que tive
a decepção que tive
a chuva de ontem
o vento da tarde...

Mas tudo isso ficou
tão pequeno...
tão lugar-comum...
tão previsível

Que decidi escrever
... Que nada tenho a dizer
... Que observo,
... Que me abraso,
... Que excedo limites
... Que me explodi em sensações

E que não há nisso rima
E do que não se tem a dizer
Nada se ausentou
... do amor que tive
... ou da decepção que tive
... ou da chuva de ontem
... ou do vento da tarde.

Foto by Werner Mathi

Acordo

Deite
a qualquer tempo
palavra tacanha
não tema
a qualquer tempo
terei em meu templo
tristeza
ternura
por tua tessitura
tão estranha
de destroçar
Tire o dia
Tire o ano
serei toda ouvidos
tato
telespectadora
de tua interminável
introspecção
intransigência
(intra) omissão
Falta de tesão para a vida!









Monólogo

O que mais ressalta
Desse vácuo deixado
Entre nós é a ausência
Das conversas intermináveis
De questionamentos das verdades
Mais absolutas
Madrugadas de críticas
Ferinas
Desapego com as convenções
Liberdade que meus pensamentos
Experimentaram
Pela primeira vez.

... Ressalta, vez ou outra,
Minha impaciência com a superficialidade.
Terei eu envelhecido,
Amadurecido,
Desabrochado?

Não me descobri outra.
Retirei o manto de sobre mim
- eu, que sempre estive!











Foto by Guilherme Bonnes

Padme

Padme, és bela?
Não sei
Não me dirás
Nasces do lodo, do lixo
Do detestável
Que repudio desde sempre

Padme, tens perfumes?
Quando minhas mãos tocarem a pele,
Será macia, quente, extasiante?

Padme, tens poemas?
Os gemidos, sorrisos ou sussurros
Serão condizentes com toda
Rudeza propagada em
Mil expressões vulgares?

Padme, nascerás e habitarás?
És possível entre as fendas de pedras?
Enraizar-te-ás delicadamente
Oxigenando e umedecendo
Os meios?



Padme, existes?













Foto by Rodolfo Fracalossi Paes

Nascer de si

Se se começa nascendo do fundo
Profundo escuro

... Sair parece camuflar
Pois o fundo profundo escuro
É ofuscado


...Como o campo energético luminoso
Refratário refletivo
Cuja fonte é no centro

Dentro
Magmático.






BlogBlogs.Com.Br

Palavras vãs

Apaixonar-se por palavras
É paixão mais vã
Enquanto deliramos
Somos colocados no divã

Nossas confissões são escandidas
Em mil versos não ritmados
Seguros e fiéis sonetos
Partidos em estrofes oníricas

Nossas odes impulsivas
Rotuladas em acadêmicas
Escolas psico-literárias
em fases de sim, talvez e não.

Embelezam o fundo
Palavras traiçoeiras
Que enganam o leitor
- Não menos que o criador
.













Foto by Daniboy

As poucas coisas detestáveis...

As poucas coisas detestáveis

Enfileiram-se atrás de ti

Fazem de tua sombra escudo

Fazem de teus lapsos frestas

Para observar

Para manifestar...

Foto by Wagner Campelo

Sarau

Como se declamássemos
De nós
Entre nós
Nos mostramos
Às vezes sós
Às vezes pós

A platéia muda
Ou em aplausos
Não absolutamente convencida
Não mudamente reprovando.

Em tudo há pelo menos
Uma guanina
Uma citosina
Em sequência correta
Em concordância com
Nossos passos
Nossos passados.

Valham-nos todos
Valham-nos partes
Pois os poemas são vividos
Pois nos traduzem.

Criação

Traduzir-se em signos
Em língua pensamento - vil
Em língua falada – torpe
Em língua vocábulo – como?

Signos significados símbolos
Intérpretes
Dicionário dissonante
Discrepante

Bailam palavras e sons
Máscaras ocultas incultas
Peixes voadores em saltos
Caíram no barco – diálogo.

Chuvas torrenciais
Granizo esparso – parcos
Distribuição aleatória

- Em areias de cães selvagens
Pássaros livres são os mais bem quistos.
E melenas valem uma batalha.

Palavras, palavras
Vil, torpe, como?
Bailam, bailam, bailam...

Gravimetria?
Ausência de balança
- Língua essa traga!

Palavras, palavras
Signo símbolo som
Surdo mudo cego
E a língua pode ser qualquer.


Fonte Inesgotável!

Quanto mais se me pede
Muito mais me dou
Pois a fonte não seca
Não é a fonte do que se dá
É a fonte do dar-se.

Dou-me ao despedaçado passado
Ao obscuro futuro
Ao acaso desacreditado
Ao infrutífero florir
- Dessa flor não se terá fruto
- Dessa batalha não existirá vencedor

Nem eu que me dou – sem fonte
Do que, inesgotavelmente, dou
Nem do ovário floral infértil
Nem o soldado a lutar contra
O vento que traz dentro de si.


Revoada

Tudo salpica, pipoca,
Delírios vários,
Colméia em ataque,
Zumbidos...

Silêncio – com fumaça
se acalmam as abelhas...

Revoada de inverno
Coreografia instintiva
Profusão medonha!

Laço, alçapão:
Algumas se agarram.

Hierarquia, metodologia,
Intuição, telepatia.

Organiza-se
Sistematiza-se
A sintaxe e a morfologia.

Por partes


Aquelas mulheres se escreviam
Por retalhos.
Que é isso – apropriar-se
De pedaços de outras vidas
Para compor a própria?

As partes se costuravam
E as vidas também.
O suor umedecia a parte
Já umedecida pela lágrima
De outra.

Se iam à mesma linha
Ora se cruzavam
Oras se arrematavam
Pois partes mal alinhavadas
Tinham também.

Da tesoura
Que servia a dois cortes
Ao tecido sem avesso
Por vezes duas
Tinham o mesmo nó.

Da estampa inglesa
À torre francesa
Uma noite, uma mão
Pares de olhos e ouvidos
Antes que o sol nascesse.

No âmago encontra
Abrigo certo
Entre todos os retalhos
Há o de flores que
Fazem a torre
Mais iluminada.

As linhas mal alinhavam
Os nós não se apertam
A luz está lá, no alto, nas flores
De partes de outras
Se monta uma vida.

Encaixam-se por tema
Por cor, arremates,
Caseados
Em sentido horário ou anti
A base para dentro
De cada autora.

Sonho II

Acreditava-me besouro
Ser de dura carapaça e insistência
Sem sentir choques
Sem conseguir grandes vôos.

Hoje me sei borboleta
Leve, frágil,
De brilhos e algo bela,
Vida inquieta e efêmera.

Delicada me sabes
Frágil e ágil
Com cores
Pudores e ousadia
Mas não me vês possível:
Contas o numero de montes
e flores entre nós :
Achas intransponíveis.

Vês minha beleza fugaz
E a supões superior
Ao prazer de fato.
Ainda que, de fato,
só acredites no prazer.
Subestimas o alcance de meu vôo
Acreditando que vou ao longe, não em profundidade

Enquanto isso,
Sonho quebrar as redomas em que vivemos.

Foto: Bárbara Hasse

Sonho I


Agora me resta a dúvida:
Tudo se resume à bolha
de sabão que,
tocada, estoura?
Esse cristal que nos separa,
separa também realidades
e faz seres diferentes de nós
se encontrarem?

Esta espera e este desejo
terão sido em vão?
Serão eles menores,
quando extinguirmos a distância?

Vago etérea em sua mente.
Vagas pesado e concreto na minha.

Imaginas mil sonhos meus
exceto o único verdadeiro:
Aquele em que te encontras
de olhar dócil e toque sensível
Amparando-me as patas leves
deixando libertas minhas asas.

Silenciar

Todo silêncio é feito
Do dito
Do pretenso dizer
As palavras calam
Proferidas ou não
Concluem o diálogo
Amargam a garganta por não sair
Fervilham o cérebro com hipóteses
Molestam o coração por não ter respostas.


O silêncio é amarga e fervilhante moléstia.


Foto: Edson Fragoaz

Pai, quem?

Pai nosso que deixam à terra
Caminha por entre os filhos
Incógnito, supremo, despercebido
Grande pai dos que muito alcançam
e daqueles que, deserdados à beira da estrada,
à beira do precipício meditam,
ao acostamento mendigam dinheiro, sexo
à vitrine desejam o alimento, o calçado, o vestir.

Pai misericordioso que é a razão
por que a esposa traída perdoa
o assaltado se conforma
as pastorais condenam o aborto
e confortam o estuprador
o culto acolhe o ex-gay, o ex-ladrão, o ex-drogado
e o pastor que nasceu ontem.

Pai que nos aguarda no paraíso
Tendo um porteiro, a chave e o preço
que santos, beatificados

coletam nos shoppings sacros
que a mídia agrega

pelos satélites abençoados
que apocalípticos ceifam de vidas
pelo qual os soldados em guerra matam
em continentes, oceanos
e no solo que destinou ao povo
que se divide em primitivas tribos,
paleolíticas ou cibernéticas.

Pai nosso milagroso deixado à terra
e que se revela
na loteria fraudada
na água benta
na quimio-radioterapia do câncer
e nos iluminados criadores de seitas.

Pai da terra
Onipotente-Onipresente-Onisciente
Desde que se construa o templo monumental,
que se vá ao monte,
a Aparecida
a Praga
a Jerusalém
a Meca
à merda.

Desde que se utilizem o grito estridente,
a lamentação chorosa,
o microfone
o autofalante

Desde que se abstenha
se ajoelhe
se arrependa
maldiga o passado mundano, incrédulo, cético.

Pai nosso que está em algum lugar, algum elemento
Pai nosso que saiu da nave ou do ventre virgem
Pai nosso que não se sabe a face...

Quem é esse deixado à Terra?

Exatidão de coisas

Sem tempo...

Oi sem bom dia ou boa noite...

Tempo fixador e apagador

Tempo centro da eternidade

(como tempo e espaço são grandezas diferentes,

não há centro espacial para a Eternidade...

há o tempo centro-centrifugador de tudo).

Sendo o tempo contínuo,

como a luz - se onda,

Sim, é eterna a luz do abajour,

assim como é eterno o erro

(fixado pelo tempo,

esquecido pelo tempo),

é eterno o último segundo que dedica.

À sua casa

Minhas memórias abrigam
o esgalhado caminho
para se chegar à sua casa.


Galhos secos, troncos
debruçados sobre a água.


Não vou só.
Equilibrando-se no caminho
de sombras
vem meu amigo:


Seus olhos luzem
Seus passos são certeiros
O corpo alvo e delineado
suaviza o olhar crítico
e a personalidade franca.


Caminho por entre os galhos.
Dirijo-me ao tronco
que é a entrada
mas não a vejo.



Caminho e chego ao quarto.
Suntuoso, quinquilharias,
tapete estampado
do século passado.


É grande tudo,
mas cabem no tronco sem porta.


O corredor de quartos
É vazio, escuro.
Suntuoso, quinquilharias.


O quarto está reservado
e nos espera.


A sala é grande
Moderna
Desabitada.


O quarto nos serve
ao amor
A sala sozinha
recebe sua dona:
Sorriso dona de casa
Anfitriã convenientemente satisfeita.


Saio para o mesmo galho
Do mesmo tronco
Sem porta
Sem escala para o
Tronco diminuto
Com a casa dentro


Fora é tão sombrio
Frio
Quanto dentro


Os braços brancos
Delineados
Fortes
Amparam



Tudo é silêncio, cumplicidade,
Sombrio
E necessita de equilíbrio
nos galhos.
Sem explicação para as dimensões.






[:o]

Minhas mãos se esqueceram do que a tia ensinou: com quantas voltas se faz o A, quantas montanhas compõem o M e quantos laços tem o F.

Como poderei lhe escrever?

Minhas mãos agilmente se deslocam no teclado e os dedos têm a elasticidade que braços e pernas invejam - jamais me viu a academia de ginástica!

Meus olhos brilham e ardem para as estrelas, pois o monitor muito lhes exige.

... Envio-lhe, então, esta mensagem eletrônica – com assinatura digital, criptografada – para que não pense que me esqueci de seu aniversário.





Inventário

Onde estão teus sorrisos,
Onde está tua voz?
Onde estão teus versos,
Tuas frases em latim?

Pousa em mim os olhos
Usa teus óculos mais adequados.
Coloca-me do avesso,
Abra minhas feridas.

Se encontra aqui tudo
Que deixaste revirado
As chagas abertas,
A alma nudez precipitada.

Faças pelo menos recolher
Os restos que se esfarelam.
Leva seu qualquer sentido-verso-senso.
Eles ocupam lugar que deve ser alienado.

Una

Meus versos tristes- acredita-me.
Minhas palavras doces ou dilacerantes – creia-me.
Não é outra senão eu
Não há outra senão eu.

Minhas dúvidas eternas – responda-me.
Minhas buscas de almas – atende-me.
Não é outra senão eu
Não há outra senão eu.

Quem sorri idiota para o cristal líquido – veja-me.
Quem tem reticências para o medo – enxerga-me.
Não é outra
Não há outra...

Feito de cadência e velocidade das partículas é o caminho.
Parece que uma película fina nos separa
Mas desvio o olhar e vejo montanhas.
O céu tem fim num verde, preto ou vermelho limite.
... Quisera eu fosse num líquido.

Mas acredita-me, responda-me, veja-me
Não é outra
Não há outra.

Pois à soma de tudo sou eu,
Nem a velocidade do elétron é maior
Que a unidade de tudo que me sai e lhe chega.

De tudo sou a única fonte.



Cabeça oca!

Cabecinha oca, põe peneiras!

De sua incompetência
é que o coração vai à falência!
De seu alheamento
é que o parasita no coração se instala!

De vez em quando o aperta até doer
Outras vezes, o faz bater descompassado
Às vezes sufoca pela garganta

Deixa as pernas bambas
As mãos suam
Ou se congelam
Perdem ritmo e o equilíbrio

Não vê estas letras trêmulas?

A visão ofusca, a ilusão toma espaço

E, gradativamente, há de ocupar todo o oco.

Equilíbrio

A sinceridade apressa os passos
primeiro para si,
depois, de si.

O amor encanta
à distância para si
de perto, de si.

Palavras ditas e não ditas
trazem e levam passos.

O mistério traz,
o descortinamento leva.

Cada gesto delicado
atrai ontem
repele amanhã.


Façamos o avesso:

Sem sinceridade, amor, palavras, mistérios, luzes, gestos delicados.
E voltemos ao equilíbrio humano.

Sejamos miscelânea insossa.
Ela aproxima os passos para si.



Meios

Não quero o álcool
Não quero o veneno
Os dois embriagam
e nos escravizam

Não quero a metade
Não quero o quase
Na Gaussiana,
prefiro os cinco-por-cento

O extremo desprezado
Mas extremo.

O médio, o mediano
Deixo à maioria.


Sem nome, sem tamanho

Já me disseram

e a vida me mostra

que a felicidade se ajusta

ao espaço exíguo

e ao curtíssimo tempo

mas as decepções

não se limitam

ao intervalo de tempo

ou ao espaço.

Desconfortável

Havia a mesa, as cadeiras.
E alguém quis sentar-se
E a mesa para um é simplória
E a mesa para dois é forçosa
E a mesa para mais não interessa

E toda a garrafa,
Para um é muito
Para dois talvez
Para mais, uma celebração.

E a palavra,
Para um é loucura
Para dois, desnecessária.
Para mais, exigência.

Mas a porta de saída é próxima
E o teclado mais ainda
E o off não carece de raciocínio
E não existe pesar virtual.
Ele só existe para o que é real.

E a mesa fica para um.
...Ou vazia.

Mas onde está Peter Pan???

“Meu” Peter Pan viajou todo o mundo, mas preferiu um cantinho de São Paulo para ter sua “Terra do Nunca”

Ele pode voar (o que faz com muita facilidade...) mas adora ter os pés no chão e sonhar comigo.

É capaz de criar um cenário maravilhoso e curmprir todos os rituais sem pesar, pois sabe que isso me faz feliz, me faz guardar o bilhetinho do buquê e o papel do bombom;

Ele fala muitas línguas, não obstante, nos entendemos em qualquer delas.

Aliás... ele entende até meu silêncio, e é capaz de, quando estou triste, ouvi-lo durante um abraço infinito até que o sol nasça;

Hoje, se quero colo, ele só tem duas ações: ordena Venha imediatamente para cá! ou pergunta A que horas seu vôo chega?

Ele conhece cada detalhe de minha mente, do meu corpo e do meu coração.Liga do bar, de sua mesa cheia de amigos e amigas, a qualquer hora, para dizer que está feliz: ouviu um punk rock britânico qualquer da década de 70/80 e lembrou-se de mim;

Apesar de viver num meio de celebridades, status e muito dinheiro, nunca se esquece daquele dia, em que eu o dirigi para a prova de improvisação do teatro...

Ele apresentou A Puta, de Drummond... ensaiado ao som de Party Girl...

Conhece muitas músicas, de seus tempos de vocalista e de seu grande conhecimento: dedica a cada um a sua música, não as repete a ninguém.

Como não posta os mesmos versos elogiosos a várias pessoas...

Quando resolvi mostrar a alguém meus poemas, enviei a um “poeta” e a “meu” Peter Pan: o “poeta” me respondeu “lindo”.

“Meu” Peter Pan enviou-me um e-mail com análises, críticas e sensações que fizeram enrubescer as morenas bochechas e, adicionalmente, a trilha sonora,

Conquistando seus dois desejos: publicar e musicar meus versos...

Conquistou, jamais me pediu qualquer coisa.

Ele conhece todo o meu mal e todo o meu bem, e os adora num alto de montanha, admirando um pôr-do-sol...

Pimentas para ele são tempero ou decoração, nada o amedronta.

Nos perdemos em discussões infinitas, sem jamais deixar de gostar, de respeitar...

Queria ter visitado o Louvre com ele, pois ambos amamos.

Quando dança qualquer ritmo comigo é um sonho, mas prefere me ver dançar e cintilar!

Seus recados nunca são apagados: todos que lá postam, ainda que não se conheçam, sabem o lugar que ocupam em seu coração e o peso de cada eu te amo que diz;

...Tamanha é sua transparência e sua dignidade....

E imaginar que eu me esqueci disso por um tempo, e quase caí!!!!

Mas “meu” Peter Pan me deu a mão, ele está sempre comigo.


Para iniciar...



Na sede de me encontrar, mergulhei em versos.
Quase amei, quase fui amada,
Acho que quase me encontrei.
Encontrei uma estagnação,
Que sobra quando até a tristeza já se foi.
Encontrei a neblina no escuro,
Que não se dissipa, mas anestesia,
Que não motiva, mas não amedronta.
Apenas preciso dar o próximo passo
E o outro
E o outro
E o outro...