Cerrado I

Do cascalho

Ardósico

Arenítico

Quartzítico

Da sempre-viva

Em pendões multiamarelos

Polibrancos

Minibotões

Dos naturais bonsais

Das raízes heróicas entre rochas

Dos inusitados mananciais

Das almas livres

Desejosas

Ansiosas

Resquícios da civilização ineficiente,

Deserdados, despatriados:

Vagalumes na escuridão.


Arco-íris a um amigo

Para meu amigo das montanhas
Busco as palavras coloridas:
Meu cinza, preterido, esconde-se
Atrás da porta por onde
Entra o arco-íris.

Não sei onde aplicar as cores:
Fito o pote de ouro
Imagino o escorregador
Sem amortecimento.
Lembro-me do banho de Mazzaropi
E concluo que o Leprechaun tem
Almofadas na bunda.
... Mas Mazzaropi tinha variações de cinza:
Preto e branco...

Não sei onde aplicar as cores:
Se se atravessa sob o arco,
Se troca de sexo.
Se lhe busco a origem,
Encontro a cachoeira,
Gotas em suspiro.
... Somente quem troca de sexo sente
A brisa colorida no rosto?

Meu amigo das montanhas
Tem muitas cores:
Nas peles – sua e dela
Nas encostas de pedras
No mar verde-azul
No céu branco-azul
E até em sua nova vida
Cor de rosa e de lua em mel.
Sorri de Mazzaropi e nunca
Contou-me do Leprechaun.





Foto by Brooklyngarden

... Ser poema

Tem razão em não amar.
Como podem as palavras
Se converter no ser?
A poesia
Digerida,
Absorvida,
Torna-se caloria da alma.
Materializa-se
Em lágrimas,
Risos,
Introspecção,
Surpresa...

... Que ser abarca tudo?
Inimaginável
Assustador
Aliciador
E real,
Real demais
Para ser crido poema.
... Quando se busca o poema,
Nunca alcançar a realidade.


PhD

Vejo tua sombra:
Enxergo através da lente
Tua alma sedenta de amor
E de holofotes.


Observo tuas pegadas...
Detecto aquelas cambaleantes,
Que tua pretensão e arrogância
Apagam todos os dias
Para acreditares
Que a perfeição tem teu nome.

Minhas humildes eloqüências
São pirita
Enquanto és a pedra filosofal.
Até teu Deus é mais santo
E conversa contigo todos os dias,
Em horário e sotaque britânicos.

Pela Lei da compensação
Tua estatura é menor
Que teu ego.
Pelas leis do destino
És meu karma
Minha cruz

Pelas leis da eletrostática
Nos atraímos
Sem fusão.
Sem que nenhuma lei
Ordene, limite, obrigue
Estás no meu caminho.

O raio que caiu no campo
Queimou, fundiu
Deixou tua marca.
Estás lá,
Quando olho para trás
E não sei se és passado
Ou futuro.



Propaganda Enganosa



Preciso gritar por todos os microfones:
Não há genialidade, não há sequer criatividade!

Preciso que todos os ouvidos ouçam:
Não há amor, não há sonho, sequer cumplicidade!

Finas fibras óticas
Transportaram mentiras,
Comeram cada pedaço de carinho
Queimaram todas as pontes

... E nos fizeram invisíveis.


Lugar de coisas

Decorei um oratório
com ladainhas em versos,
cores de Munch, Portinari.
O altar, puro e simples
banco de praça.
Praça de calçadão beira-mar,
Praça de igreja de cafundó.

Flores, muitas!
Deste cerrado tortuoso,
da planície alagável,
Singelas, sinceras
- Recebidas ásperas.

Canções
Entoadas em ritmo ancestral
Histórico, nostálgico,
Sem sons, por memórias
Repertório acadêmico-juvenil
- Às vezes rechaçado.

Troquei seu merecido lugar à prateleira
Pelo assento sagrado,
Tamanha minha satisfação,
meu deslumbramento.
Quiçá por isto o monstro
Superou o médico.


Foto by inatangle

Ante a vidraça

Meus pensamentos

Telefone.

Ainda vão de encontro aos seus

Como um diálogo

Zunir da moto.

Em que não se ouve a resposta,

Mas se formula a pergunta...

Acreditando que a imaginação

Quebra a parede e emite sons.

Acelera o automóvel.

A continuidade de todos os temas

Nunca foi interrompida

O filhote pardal pia pelos pais.

Se perpetua em poemas não declarados,

Nas inspirações não confessadas.

O bando de bicos-de-lata está no jardim.



Foto by GenkiGenki

Valsa

Baile comigo
Toque minha cintura
Que se revolve, contorce
E deixa perdida tua mão.

Rodopie no maior agudo
Receba a mão e o corpo
Que já suam, quentes
Para juntar-se ao seu – frio.

Com o pé pisoteado
O músculo posterior distendido
A cabeça em rotações
E a cadeira necessária.

Encerra-se o baile
A sedução
O cavalheirismo
E a pretensa liberdade
Dos corações em seresta.



Foto by Alves Filho


Sem asas

A poltrona estava vazia.
À esquerda, minha companhia.
À direita, um terno cinza ofegante, um celular negociante.
Pode a vida se resolver entre o guichê do raio x e o portão de embarque?
Penso que não e o suor no colarinho inquieto me irrita. Desvio o olhar, evito.

Cada personagem desenvolve seu papel, tem seu figurino, suas armas.
O cenário é vasto e eclético: plumas e pelúcias cor de rosa saltitam, esperneiam, fazem chantagens emocionais com sobrancelhas franzidas e lábios em bico. Os dragões, flores e caveiras soltam-se ao chão com mochilas, aparelhos audiovisuais, displicência e mil etiquetas em todos os acessórios. O crachá traz o micro portátil, livros, resumos, anais, camisa social falsamente elegante, olhar concentrado na última e maior novidade científica do mundo.

Há saltos finos.
Prezam-se pelo barulho, como um clarim anunciante, ordem para o desenrolar do tapete vermelho, para as falsas pérolas, roupas exóticas e poses para possíveis câmeras.
O medo se esconde em mãos que se apertam, esmagam objetos, nas unhas lascadas ao dente, nos olhos assustados, no cubo indecifrável.

Cheiro de café.
Café, chocolates, balas, chicletes, maquilagem 24 horas, solicitude e conhecimento escasso. José o quê? Pergunte àquele rapaz ali, ele conhece melhor o acervo!

Negativo. Nem acervo, nem conhece.

Em última instância – e fuga dos comentários do último pum da ex- BBB enésima edição – decido-me pela capa leve, colorida, ilustrada, ares de museu de obras raras. Azul. Três autores e uma escritora. ONG.

... As crianças na Europa teem mais dinheiro e mais madrinhas, mais livros. Meio a contragosto – por que não pensamos nisso? – cedo à única maneira de ocupar o intervalo.


Foto by Simone Sattler

Sabes?

Não somos
Sonhamos à lua
Deliramos ao sol
Entorpecemos (nos)

Não sei
Não somos
Delirei à lua
Sonhei ao sol
Embriaguei (me)

Não sabes
Não somos
Acordaste à lua
Desmaiaste ao sol
Intoxicaste (te)

O silêncio
E as palavras
São coniventes
Com todo nosso infortúnio
Com todas as nossas dúvidas.


Foto by miki:persona

Olhos

A certeza dos olhos verdes
É uma memória longínqua
- Dessas que não se sabe mais
Se sonho ou fato

Se aqueles olhos fossem verdes,
Azuis, mouriscos, turcos,
Sentir-me-ia feliz

Se aqueles olhos tivessem o negro profundo
E inatingível de seu mistério,
Sentir-me-ia feliz

Que diferença faz a cor dos olhos, se quem amo não tem cor?



Foto by Genki

Dia improvável

No dia improvável,
Recebi seus agrados
Sorri abertamente à música romântica e maldizente
Li suas confissões
E acreditei que eram unicamente para mim.

No dia improvável,
Recebi visita inesperada
A chuva foi refrescante
E lavou minha alma
Como as três puras palavras,
Recebidas como presente por criança.

No dia improvável
Contei quantas metades de livros li
E soube a razão de não ter lido as outras metades
Coloquei em exposição as capas daqueles
Que ainda não leio

Não é hora
Com a certeza de que terei
Um dia improvável
Para sorrir de todas as metades não lidas.

Minha alma é grande
E não cabe nos livros
Nas telas
Nestas quatro paredes.

Foto by Kyle May

Surpresa!


Você vende em versos seu mais novo espetáculo...

Não creio.

É nova arte, habilidade desconhecida

Mas seus olhos brilham

E desafiam minha incredulidade,

o cenário popular e pouco afeito a seu refinamento.

Sim, afirmo e asseguro minha presença diante do palco...

Não me fará mal lhe dar mais este voto de confiança...

... Afinal, seu delírio pode ser maior que o meu.


Foto by ^Diana^

Púlpitos???

Às vezes cometo erros gramaticais
Propositalmente

- Mostro que não estou e não quero o púlpito.
Outras, cometo erros óbvios

- Não sou obra acabada!

Lapido minha alma com grosseiras ferramentas.
Não sou ou não quero.

Deságuo, entorno
Minhas palavras não se lapidam.


Das curas...

Que palavras lhe diria, com dom de calafetar?
Aqui o calor derrete
... E penso que a brisa do mar teria
esses dons que você procura nas palavras.
Desconheço as grandes teorias:
A solução de tudo está em coisas simples
- Simplórias.

Preguiça, acomodação, resignação?
Os mares turbulentos que conheci dizem não
O prejulgamento, a análise superficial
Dizem que a alma se contenta com pouco.

Eu digo que a alma se dobra ao que lhe convém
Propositalmente
Ou não.
Que procura você no mar?

A água pode molhá-lo e nunca lavar sua alma
Essa brisa úmida deveria lhe ser suficiente
Para atravessar a alma,
Limpá-lo como um filtro
E não entorpecê-lo pelos olhos.




Foto by Whirling Phoenix

Obrigada!!!

... Desde o dia 01 de março de 2009 tenho aqui postado minhas memórias, reflexões e sentimentos...
Olhos que não vejo,
Faces que se transformam diante de minhas palavras,
Imagens que não ouso conceber,
... Tudo se fez, se criou e se formatou em mais de 1000 visualizações!
... Mesmo àqueles que, sem postar sua opinião, visitaram esse blog...


Fica aqui meu agradecimento:
Muito obrigada por sua visita!



No escuro

Permita-me mostrar
O que na caverna há:
Escuro, suas sombras

Imagens rupestres
Animais de luz própria
Que jamais viram a luz

A água, invisível
Molha e esconde
Restos, fatos e eras

As paredes, intocáveis
Cristalizadas
Montam, esqueletizam
Quebra-cabeças e lixiviações

Mas vá, que lhe mostro...
Entre
Mil novidades há
Onde não há claustrofobia.