Sem asas

A poltrona estava vazia.
À esquerda, minha companhia.
À direita, um terno cinza ofegante, um celular negociante.
Pode a vida se resolver entre o guichê do raio x e o portão de embarque?
Penso que não e o suor no colarinho inquieto me irrita. Desvio o olhar, evito.

Cada personagem desenvolve seu papel, tem seu figurino, suas armas.
O cenário é vasto e eclético: plumas e pelúcias cor de rosa saltitam, esperneiam, fazem chantagens emocionais com sobrancelhas franzidas e lábios em bico. Os dragões, flores e caveiras soltam-se ao chão com mochilas, aparelhos audiovisuais, displicência e mil etiquetas em todos os acessórios. O crachá traz o micro portátil, livros, resumos, anais, camisa social falsamente elegante, olhar concentrado na última e maior novidade científica do mundo.

Há saltos finos.
Prezam-se pelo barulho, como um clarim anunciante, ordem para o desenrolar do tapete vermelho, para as falsas pérolas, roupas exóticas e poses para possíveis câmeras.
O medo se esconde em mãos que se apertam, esmagam objetos, nas unhas lascadas ao dente, nos olhos assustados, no cubo indecifrável.

Cheiro de café.
Café, chocolates, balas, chicletes, maquilagem 24 horas, solicitude e conhecimento escasso. José o quê? Pergunte àquele rapaz ali, ele conhece melhor o acervo!

Negativo. Nem acervo, nem conhece.

Em última instância – e fuga dos comentários do último pum da ex- BBB enésima edição – decido-me pela capa leve, colorida, ilustrada, ares de museu de obras raras. Azul. Três autores e uma escritora. ONG.

... As crianças na Europa teem mais dinheiro e mais madrinhas, mais livros. Meio a contragosto – por que não pensamos nisso? – cedo à única maneira de ocupar o intervalo.


Foto by Simone Sattler

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