Pai, quem?

Pai nosso que deixam à terra
Caminha por entre os filhos
Incógnito, supremo, despercebido
Grande pai dos que muito alcançam
e daqueles que, deserdados à beira da estrada,
à beira do precipício meditam,
ao acostamento mendigam dinheiro, sexo
à vitrine desejam o alimento, o calçado, o vestir.

Pai misericordioso que é a razão
por que a esposa traída perdoa
o assaltado se conforma
as pastorais condenam o aborto
e confortam o estuprador
o culto acolhe o ex-gay, o ex-ladrão, o ex-drogado
e o pastor que nasceu ontem.

Pai que nos aguarda no paraíso
Tendo um porteiro, a chave e o preço
que santos, beatificados

coletam nos shoppings sacros
que a mídia agrega

pelos satélites abençoados
que apocalípticos ceifam de vidas
pelo qual os soldados em guerra matam
em continentes, oceanos
e no solo que destinou ao povo
que se divide em primitivas tribos,
paleolíticas ou cibernéticas.

Pai nosso milagroso deixado à terra
e que se revela
na loteria fraudada
na água benta
na quimio-radioterapia do câncer
e nos iluminados criadores de seitas.

Pai da terra
Onipotente-Onipresente-Onisciente
Desde que se construa o templo monumental,
que se vá ao monte,
a Aparecida
a Praga
a Jerusalém
a Meca
à merda.

Desde que se utilizem o grito estridente,
a lamentação chorosa,
o microfone
o autofalante

Desde que se abstenha
se ajoelhe
se arrependa
maldiga o passado mundano, incrédulo, cético.

Pai nosso que está em algum lugar, algum elemento
Pai nosso que saiu da nave ou do ventre virgem
Pai nosso que não se sabe a face...

Quem é esse deixado à Terra?

2 comentários:

  1. Um tempo ausente... Mas encantada de voltar aqui...

    Agora esse poema é meu número um do "Pimenta Poética"... queda por críticas que são intensas, ao mesmo tempo que são abordadas com sutilezas únicas...
    Muitas imagens... para se pensar e repensar... Rápido como piscar os olhos, profundo como lágrimas de dor... Grito de protesto... senti isso... viajante, talvez...
    Abraços!

    ResponderExcluir
  2. Obrigada pelos elogios, Nadine!

    Esse lado crítico às vezes assusta... Acredito que ainda há pessoas que desprezam a acidez, a análise...
    Mas a análise não me foge um só segundo, e demorou-se para chegar aqui, penso eu...rss

    Beijos!

    ResponderExcluir